
Pela atenção que despertam, há UMMs que chegam para dizer mais sobre quem os conduz, que o que há para dizer, na verdade. Deve ser o caso deste, pelas reações que desperta – sempre diversas e nunca indiferentes. Por exemplo, a reação de um fuzileiro quando guardava a porta de armas da sua base, no Alfeite. Visivelmente curioso, intercetou este UMM, observou-o com interesse e questionou o condutor:
– O senhor foi militar nalguma missão de Paz da ONU?
E ouviu a resposta verdadeira:
– Nem por isso… sou só o conservador da viatura.
Olhou novamente para a carroçaria e, sem desviar o olhar das letras “UN” e dos autocolantes da bandeira nacional, fez uma continência entusiástica. Deve ter sido uma sentida saudação ao que este UMM representa.

Antecedentes deste UMM
Quantas viaturas militares UMM foram brancas…? Só as das Missões de Paz das Nações Unidas.

Das muitas versões de UMM militares portugueses, uma serviu nas Nações Unidas. Estes Alter II foram preparados para desempenhar as missões de Paz das Nações Unidas, em Moçambique (de 1993 a 1994), Angola (de 1995 a 1999) e Timor Leste (de 2000 a 2004).

Comparativamente aos UMM civis, foram superiormente apetrechados – conforme as exigências de cada missão e ramo das Forças Armadas – com emissor-recetor rádio, extintor, amortecedores duplos, grelha protetora de faróis, brincos maiores, pneus Camac TERRA 4X4, lanterna para mapas, consola de rádio, farolim de stop de infra-vermelhos para blackout, antena à retaguarda, para-choques traseiros metálicos, farolins militares, patim militar, gancho e tomada elétrica para reboque militares, jerrican metálico, ou outros atributos.

Este UMM foi legado à coleção de Lendários, por um emigrante português radicado na Suíça, que reportou tê-lo adquirido a um militar que o trouxera do quartel. Vinha com uma pintura rudimentar branca que cobria mal os vestígios de pintura verde tropa e muitas caraterísticas que não existem em UMMs civis, num estado que aparentava alguma desmilitarização. Por isso, teve que ser comparado com os UMMs das Nações Unidas constantes no livro “Berliet, Chaimite e UMM” do historiador automóvel Pedro Manuel Monteiro, e levado à apreciação de quem tivesse mais conhecimento de causa que o conservador desta coleção. Para isso, foi dado a conhecer ao responsável mecânico UMM Silvino Alves e a militares que conduziram UMMs das Nações Unidas, durante as Missões de Paz de Moçambique e de Timor, e ainda comparado com fotos pessoais não publicadas dos UMMs das Nações Unidas, que foram facultadas por camaradas integrantes dessas missões.

As suspeitas de todos inclinaram-se para tratar-se de um daqueles veículos abatidos de frotas militares naquela época em que era possível passarem a ser propriedade privada de cidadãos (militares ou civis), uma vez desprovidos da sua matrícula militar e de algum equipamento militar, e passando a usar uma matrícula civil da época de fabrico. Silvino Alves explicou que as viaturas de 8 lugares eram as mais adquiridas pelas Forças Armadas, para transporte de pessoal, e as que mais frequentemente se degradavam, por comparação com as poucas viaturas de 6 lugares adquiridas para uso de oficiais. Este dado concorria para o facto desta viatura ainda existir, embora a precisar de restauro.

As pesquisas do histórico da matrícula desta viatura não descartaram a hipótese de ter saído das Forças Armadas. Não se tendo conseguido informações das Forças Armadas nem da União Metalomecânica, constatou-se que, no Documento Único Automóvel desta viatura, não constava qualquer data nem dígitos de primeira matrícula, e que o histórico da matrícula EX-37-59 que foi obtido da Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, não permitiu descartar a hipótese de uma matrícula civil desativada poder ter sido posteriormente atribuída a uma viatura militar passada para o âmbito civil.

Vida deste UMM na coleção
Com a motivação para reconstituir uma viatura das Missões de Paz das Nações Unidas, seguiu-se a busca das poucas peças necessárias para um restauro minimalista, que conservasse a patine histórica deste UMM. Como lhe foi substituído o motor cansado por outro jovem – originário de UMM civil, com periféricos de 12 volts – o UMM voltou ao bom estado de prontidão.

Pela sua robustez e porque não precisa de parecer novo para ser apreciado pelo que representa, este é o veículo da coleção que mais todo-o-terreno faz. É, de longe, o que mais atenção desperta, seja no público por onde passa, seja na comunicação social especializada, seja em visitantes da coleção que nele fazem o batismo de condução de um UMM, seja entre quem já é conhecedor de UMM e neste vem experienciar alguma sensação de descoberta.
Além de habitual viajante fora de estrada, pelas Serras da Carregueira, da Arada, da Freita e de São Macário, este UMM participa em percursos especiais, como os de aniversário do Clube UMM de 2019 e 2021, e de aniversário da década das PEÇAS UMM.

A conservação e as saídas deste UMM, também são uma forma de agir localmente para impactar globalmente. Lembram o princípio fundador da Organização das Nações Unidas – livrar a Humanidade do flagelo da guerra. Este exemplo vivo de que muito se pode alcançar, por Um Mundo Melhor (U.M.M.), é uma mensagem que vem sendo progressivamente acolhida pela maior parte de quem contacta com esta viatura – desde as Autoridades que a inspecionam na via pública, até quem dela beneficia para uma boleia, transporte de carga, reboque, partilha de bateria ou de outro material de emergência, passando por toda a gente que procura conhecê-la presencialmente ou informar-se sobre ela. Nesta como noutras causas, a bandeira da ONU vai-se desgastando… mas vale a pena.

Sem preocupações com estatuto de origem – mas com militante orgulho nos heróis portugueses que devolveram a Paz a Moçambique, Angola e Timor – este UMM continua a vencer milhares de quilómetros por um Mundo melhor… mesmo se estiver na reserva militar.
